O MERCADOR DE PALAVRAS
Vendem-se palavras. Simples ou compostas. De todos os gêneros e categorias: feminino, masculino, indefinido; verbos, advérbios, substantivos, adjetivos. Também as ocultas. Mas estas só para quem nos mereça muita confiança. Estoque muito grande de singular e plurais. Ou singular e plural. Ou, ainda, singulares e plurais... Singular e plurais: fica melhor assim. Cada qual na sua especialidade.
Corrupção. Esta tem saído muito. Vendemos em lotes de cem. O preço é bastante convidativo. Sem nota, pagando por fora, damos desconto de 50%. Vem acompanhada de desonestidade, mentira e se comprar dois centos damos como brinde um pouco de propina e cara-de-pau. Cara-de-pau é muito requisitada e tem demanda crescente.
Verbos são mais caros, pois dão filhotes de vários matizes que servem para muitas finalidades. Multiplicam-se. Compra-se um e levam-se dezenas de mutantes possibilidades. Os gerúndios somente são liberados sob promessa e garantia de uso bem restrito.
Palavras de amor temos para todas as ocasiões: nas conquistas e despedidas. Há também as palavras de manutenção. Quando requisitadas em casos de urgência, entregas podem ser feitas por email. Ou através de mensagens SMS no celular. Pequena taxa de sucesso será devida se o uso resultar em êxito. Caso contrário, pedimos retornar com informações que nos permitam reavaliar e aperfeiçoar a qualidade de nossos serviços.
As palavras usadas como “desculpas esfarrapadas” não têm garantia de sucesso e podem ser entregues em regime de emergência. Por isso a tarifação especial acrescida da taxa de urgência urgentíssima. Clientes precavidos podem encomendá-las com antecedência: ficam em “stand-by”, disponíveis para serem liberadas quando um determinado código de acesso é acionado. Vêm completas em frases feitas ou separadas para serem arranjadas no ato do recebimento. Os pontos de exclamação, reticências e interrogações acompanham o “kit” das frases feitas e são gratuitos: “isso nunca me aconteceu antes!”, “não é bem isso que você está pensando!”, “são meus inimigos que estão a lançar calúnias contra mim!”, “vou processá-los!”, “serei inocentado!”, “não há provas!”, “isso na gola da camisa é mancha de morangos...”, “fui colar uma carta e derramou!?”.
- O senhor sempre vendeu palavras?
- Não. Antigamente vendia letras. Mas percebi que muitos compradores não sabiam como usá-las, ordená-las. Então ampliei meu campo de atuação. Mas estou pensando em novamente mudar o foco dos negócios: ampliar e passar a vender frases completas com garantia de qualidade. Se pouco usadas asseguro a recompra. Quem sabe um dia eu possa comercializar orações inteiras ou até mesmo parágrafos completos. Para políticos, jornalistas e estudantes de letras. Mercado há.
Nenhum comentário:
Postar um comentário