quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Epiphânio Camillo - Malmö

SØNJA

Malmö. Estou no centro histórico. Desço pela Avenida Hjälmaregatan, atravesso uma pequena ponte e sigo em direção à Praça Lilla Torg. Na terceira esquina entro na Rua Södergatan. Próximo a um cruzamento com pequena ruela vejo alguns bares e restaurantes com mesas no passeio estreito. Escolho um. Critério? O que tenha mais clientes com aparência de aborígenes. Não quero refeição para turista. Nome estranho: Mando Bar.

Entro, localizo mesa vazia, busco a atenção da garçonete e faço um sinal com o polegar solicitando permissão para ocupar lugar junto à janela frontal. Devidamente autorizado abro o cardápio todo escrito em língua que não conheço e "leio" duas ou três páginas de cima a baixo apreciando com curiosidade aqueles aglomerados de letras, consoantes acentuadas, vogais cortadas, sinais esquisitos e palavras impronunciáveis.

A garçonete, Sønja, louríssima, vinte e poucos anos, se aproxima rapidamente, aponta para o cardápio e começa a falar. Faz uma pergunta. Respondo com "hamham" firme e convincente. Ela prossegue, toma o cardápio de minhas mãos e coloca sobre uma das páginas o dedo finíssimo de unhas longas bem cuidadas pintadas de azul brilhante apontando quatro ou cinco itens. Olho-a curioso fingindo naturalidade.

Percorro sua figura com os olhos cuidando evitar parecer intruso e agressivo. Cabelos penteados maria-chiquinha, rabo-de-cavalo e franja desalinhada sobre a testa branca e lisa. Magra, pescoço longo, boca nua e bem desenhada, rosto pequeno, nariz afilado. Parecia uma delicada e frágil boneca de louça. Embora a pouca estatura o conjunto dava impressão de ser alta e esguia. Uma bela ilusão de óptica!

Presto muita atenção em seus lábios levemente rosados e no que ela diz, na melodia agradável e incompreensível das palavras pronunciadas com voz suave, mas firme.

Compareço ao “diálogo” com mais dois ou três "hamham" e faço sinais de aprovação com alguns sutis acenos de cabeça. Percebo uma beleza inusitada no jeito decorado que ela tem de dizer aqueles sons, no contorcionismo dos lábios, no revirar dos olhos azuis-turquesa ora mirando o cardápio ora fitando o teto, burocraticamente balançando com naturalidade a cabeça para os lados, encolhendo levemente os ombros como que em busca de impor mais credibilidade ao que fala.

Pergunta algo novamente e como exito responder me olha firme, entre curiosa e severa. Respondo em inglês que não havia entendido nada do que dissera pois nem sabia com certeza que língua falava, embora suspeitasse sueco.

Surpresa, por alguns segundos muito séria, depois encabulada, sorri e pergunta: você não é sueco? de onde é? que língua fala? Brasil? então fala espanhol? Digo que sim embora o idioma brasileiro seja o português. Ela sorri novamente e explica que infelizmente alguns pratos não estão sendo servidos naquela tarde e coisa e tal.

Faço o pedido e "la nave va".

Terminada a refeição, café, conta, cartão de crédito, sem mais palavras me levanto e, já quase na porta de saída, percebo que ela me acompanha de longe. Agradeço com um pequeno gesto à guisa de adeus. Ela dá tchauzinho, faz sinal de OK com o polegar e segue em frente com a bandeja.

Vou-me embora. Dalí sei que para sempre.

Já na rua, chuvisco fino, caminhando sobre o passeio estreito e desviando de pequenas poças d'água começo a sorrir comigo e para mim mesmo ao descobrir que em Malmö, numa tarde de certo dia no mês maio, por alguns instantes fui fluente no idioma sueco.

Malmö, Suécia - Maio/1991

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