domingo, 31 de julho de 2011

Cassiano Ricardo - A Graça Triste

A GRAÇA TRISTE

Só me resta agora
esta graça triste
de te haver esperado
adormecer primeiro.

Ouço agora o rumor
das raízes da noite,
também o das formigas
imensas, numerosas,
que estão, todas, corroendo
as rosas e as espigas.

Sou um ramo seco
onde duas palavras
gorjeiam. Mais nada.
E sei que já não ouves
estas vãs palavras.

Um universo espesso
dói em mim com raízes
de tristeza e alegria.
Mas só lhe vejo a face
da noite e a do dia.

Não te dei o desgosto
de ter partido antes.
Não te gelei o lábio
com o frio do meu rosto.
O destino foi sábio:
entre a dor de quem parte
e a maior — de quem fica —
deu-me a que, por mais longa,
eu não quisera dar-te.

Que me importa saber
se por trás das estrelas
haverá outros mundos
ou se cada uma delas
é uma luz ou um charco?
O universo, em arco,
cintila, alto e complexo.

E em meio disso tudo
e de todos os sóis,
diurnos, ou noturnos,
só uma coisa existe.

É esta graça triste
de te haver esperado
adormecer primeiro.

É uma lápide negra
sobre a qual, dia e noite,
brilha uma chama verde.

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