terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Octávio Elísio - Petrarca e sua influência em Camões

Petrarca e sua influência em Camões[1]

"Em FRANCESCO PETRARCA (Arezzo, 1304 - Arqua, 1374) reconhecemos o exemplo mais perfeito do indivíduo de transição entre a Idade Média e a Renascença. Poeta, humanista, erudito, diplomata, nele se fundem e se contradizem o último homem medieval e o primeiro homem moderno. Enquanto Dante representa o apogeu e o esgotamento da idéia medieval, em Petrarca, no seu lirismo amoroso, que influenciaria tudo o que viria depois, até o Romantismo, a Teologia e o homem-criatura se afastam, abrindo terreno para o homem-indivíduo e a sua psicologia." (Alexei Bueno)

"Sem a lição petrarquiana , como imaginar o Camões lírico, e os outros nomes do período em Portugal, de um Sá de Miranda a um Antônio Ferreira? Ou o barroco inglês e o século de ouro da poesia espanhola? Ou toda a Plêiade na França... ?" (Idem)

De Petrarca saem todos os grandes poetas da Renascimento europeu, ao menos em sua expressão. E quando nós, de língua portuguesa, lemos alguns dos mais belos sonetos de Camões, por trás de todos eles podemos entrever a sombra fecundante do grande poeta de Arezzo." (Idem)
 
“No tempo de Camões, por toda parte ressoava ainda, nos domínios do lirismo, a harmoniosa voz de Petrarca, pois desde perto de dois séculos que as "Rime" não cessavam de comover a sensibilidade culta da Europa. O poeta florentino reelaborara o patrimônio lírico provençal que nos era comum. Enriquecera-o com viva cultura humanística, aprofundara-o com rara capacidade reflexiva e aquecera-o, crê-se, de sincera comoção com a realidade moral da sua paixão por Laura. Foi nele, dizem biógrafos, sentimento profundamente vivido o que para muitos dos seus antecessores não havia passado de mera atitude literária.” (Hernani Cidade)

“Quanto a Petrarca, mais de uma vez, (Camões) levou o seu entusiasmo por ele a ponto de o traduzir, ou melhor, parafrasear, freqüentemente não muito distante da letra." (Idem)

Poemas de Amor em Petrarca

Organização de Alexei Bueno - Ediouro Publicações S.A.- 1998

Luís de Camões I - O Lírico

Hernani Cidade- 2ª Ed. Livraria Bertrand, Lisboa, 1952

Petrarca - Algumas estrofes[2]


Se amor não é qual é este sentimento?
Mas se é amor, por Deus, que cousa é a tal?
Se boa por que tem ação mortal?
Se má por que é tão doce o seu tormento?

Bendito seja o dia, o mês, o ano,
a sazão, o lugar, a hora, o momento,
e o país de meu doce encantamento
aos seus olhos de lume soberano.

E bendito o primeiro doce afano
que tive ao ter de Amor conhecimento
e o arco e a seta a que devo o ferimento,
aberta a chaga em fraco peito humano.

Bendito seja o mísero lamento
que pela terra em vão hei dispersado
e o desejo e o suspiro e o sofrimento.

Bendito seja o canto sublimado
que a celebra e também meu pensamento
que na terra não tem outro cuidado.

Lastimo ainda não haver louvado,
Dona, tua beleza em nobre rima.
Para encontrar o canto que te exprima,
recordo o tempo em que te vi pasmado.

Mas a meu braço o encargo é tão pesado,
este lavor não é de minha lima,
por isso o engenho que sua força estima
sente que seu afã é mui baldado.

Quantas vezes em vão tentei louvar-te;
pois permanece a voz dentro do peito.
Que voz pudera ter tão alto efeito?

E' vão o meu esforço, vã minha arte;
o plectro rude e o pouco nobre engenho
caem vencidos ao primeiro empenho.

Petrarca e Camões – Algumas coincidências[3]

Alma minha gentil, que te partiste
tão cedo desta vida, descontente,
repousa lá no Céu eternamente
e viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
memória desta vida se consente,
não te esqueças daquele amor ardente,
que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
alguma cousa a dor que me ficou
da mágoa sem remédio de perder-te,
roga a Deus, que teus anos encurtou,
que tão cedo de cá me leve a ver-te,
quão cedo de meus olhos te levou.

(Luís de Camões)

A alma minha gentil que agora parte
tão cedo deste mundo à outra vida,
terá certo no céu grata acolhida
indo habitar sua mais beata parte.

Ficando entre o terceiro lume e Marte,
será a vista do sol escurecida,
virá depois, muita alma ao céu subida,
vê-la, portento de natura e arte.

E se pousasse entre Mercúrio e Lua,
brilhara mais do que eles nossa bela,
como só se espalhara a fama sua.

A Marte certo não chegara ela.
Mas se mais alto o seu vulto flutua,
vencera Jove e qualquer outra estrela.

(Petrarca)

Tanto de meu estado me acho incerto,
que em vivo ardor tremendo estou de frio;
sem causa, juntamente choro e rio,
o mundo todo abarco, e nada aperto.

É tudo quanto sinto um desconcerto:
da alma um fogo me sai, da vista um rio;
agora espero, agora desconfio;
agora desvario agora acerto.

Estando em terra, chego ao Céu voando;
num'hora acho mil anos, e é de jeito
que em mil anos não posso achar um'hora.

Se me pergunta alguém porque assi ando,
respondo que não sei, porém suspeito
que só porque vos vi, minha Senhora.

(Luís de Camões)

Não tenho paz nem posso fazer guerra;
temo e espero e do ardor ao gelo passo
e vôo para o céu e desço à terra;
e nada aperto e todo mundo abraço.

Prisão que nem se fecha ou se descerra,
nem me retém nem solta o duro laço,
entre livre e submissa esta alma erra,
nem é morto nem vivo o corpo lasso.

Vejo sem olhos, grito sem ter voz;
e sonho perecer e ajuda imploro;
a mim odeio e a outrem amo após.

Sustento-me de dor e rindo choro;
a morte como a vida enfim deploro
e neste estado sou, Dama, por Vós.

(Petrarca)



[1] Notas de Octávio Elísio
[2] Idem
[3] Seleção de Octávio Elísio

Nenhum comentário:

Postar um comentário