quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Lindolfo Paoliello - O descobridor de sonhos

O DESCOBRIDOR DE SONHOS

Lindolfo Paoliello

Quem passa cedo pela Savassi, com olhos para ver além do que esqueceu em casa e do que se lembra de fazer durante o dia, vai encontrar abrindo uma porta de loja, ou subindo a grade de uma vitrina, o homem de chapéu de boiadeiro, um instrumento de ferro na mão direita e andar de gente da roça. É o abridor de lojas, ou sei lá que nome seus empregadores lhe dão, o certo é que há anos o observo abrindo um novo dia na Savassi.

Eu o vejo sempre naquele quarteirão da avenida Getúlio Vargas, entre a avenida do Contorno e a rua Alagoas, logo ali onde as casas de meus amigos foram da noite para o dia virando butiques e uma ponta do bairro Funcionários passou então a se chamar Savassi. Naqueles tempos, em que o entretenimento era risonho e franco para quem se satisfazia em passear sem rumo pelo bairro, naqueles tempos Belo Horizonte mudava e a gente nem percebia.

Mas o que importa agora é o presente e ele está. ali, pertinho, à minha frente, incorporado no homem que abre as lojas, e eu o observo enquanto espero que abram o portão da garagem. Ele bate um papo com o porteiro do prédio ao lado, descansado, apoiado no seu instrumento de trabalho. Se não estivéssemos em um ambiente tão urbano, aquele objeto em que ele se apóia poderia ser confundido com um cajado, completando sua figura rústica, e a gente seria levado a procurar onde estaria o rebanho por ele guiado. Mas não é essa a função daquele homem. Seu oficio é abrir e fechar o comércio, coisa que faz, muito bem feito, sem dar pelotas à CDL ou à Prefeitura. Acho mesmo que nem aos seus patrões ele dá mais satisfação; para eles, o que importa é o negócio estar aberto às nove da manhã.

Mas, observando há tanto tempo esse homem agindo, acho que ele deu outro sentido a tudo isso: leva a luz do sol às vitrinas, enquanto expõe às pessoas o sonho do consumo. Ele próprio, em sua humilde condição de aposentado, se extasia com tudo aquilo que descobre a cada dia. E imagino que, maravilhado, tem uma ponta de orgulho em dividir com os outros a visão dos trajes de noite da primeira loja que abriu; os incríveis aparelhos eletrônicos daquela segunda loja; estas jóias preciosas da vitrine em frente. O portão se abre, deixo para trás o universo mágico do descobridor de sonhos, e entro no mundo insensato dos memorandos, telefonemas e papéis.

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